se mia descrença pode ter slogan

O que é que são, com mil diabos, essas próteses? Quando coloco uma joelheira estou a lembrar o mundo e a não me esquecer de que sou de matéria orgânica, que meus ossos e cartilagens frágeis doem e cada machucado se torna, inexoravelmente, uma piora em minha condição. Estou a lembrar da carne e da morte. Quando coloco uma joelheira sou quase tudo, menos ciborgue. Quando coloco uma joelheira, estou despida da aparência de super-homem que uma artista dos tempos do corpo-máquina deveria necessariamente exibir.

O grande impedimento no caminho entre o animal e o super-homem.

O grande impedimento na ponte entre mim e o corpo sem órgãos.

Os joelhos.

Que são desconstrução. Prova de que a natureza é falha.

Que são desnaturalização. Provocam a inexistência de deus.

Que estão no caminho dos carros, com o para-choque desenhado para nos pegar nesse ponto fraco.

Que estão no caminho da guerrilha, principalmente na hora de se descer das montanhas.

E que se alastram, chegando ao inominável.

Aquele que só pode ser sussurrado.

O que nos escritórios se pronuncia como piada, mas que sabemos que também é consequência do trabalho nos escritórios.

Ciático.

Nervo que é doença.

coleção de patetismos

existe um motivo pelo qual estou frilando como revisora numa agência de publicidade. começa, como diria ana maria braga, com din. mas, que lástima!, termina aí também, e eu perco a chance de ter um trabalho no qual tenho certeza de que sou muito boa para dar prioridade a outros, tão difíceis que às vezes faço muito mal.

hj está circulando o convite para um chope corporativo. o motivo é o lançamento do calendário do mês de setembro, uma folhinha com a foto de uma estagiária. criatividade é a última coisa que se espera da publicidade.

ia mandar esse e-mail em resposta ao convite para a firma toda, mas isso significava começar uma discussão por e-mail coletivo, o que o astro.com me disse textualmente (não tenho certeza do significado dessa expressão, só tenho certeza de que estou revisando muitos livros traduzidos) para não fazer.

então voltei aqui, eu, que já escrevi minha dissertação, embora ainda queira fazer muitas coisas nela, o que é um clássico. sei que essa gente falante vai agora ironizar, mas precisava compartilhar meus sentimentos e não estou mais no facebook.
essa era a resposta por e-mail, a que não mandei:

gente,
olha que bonitinho o vídeo que fizeram do Mister Rogers (que apresentava um programa infantil na gringa):

“… Se vc já cultivou alguma coisa no jardim da sua mente,
Você é capaz de cultivar ideias no jardim da sua mente.
É legal ter curiosidade sobre muitas coisas.
Vc pode pensar e fazer de conta.
Tudo o que vc tem que fazer é pensar, e elas vão crescer.
Imagine que cada pessoa que vc vê é um pouco diferente de todas as outras do mundo.
Algumas podem fazer certas coisas,
E outras pessoas podem fazer outras.
Vc já pensou no monte de coisas que aprendeu a fazer?
[…]
Há muita coisa para aprender nesse mundo
e tem muita gente que pode nos ajudar com isso”

fora isso, numa situação mais pública e portanto mais democrática, recebi hoje por e-mail este abaixo-assinado do coletivo dente de leão:

não sustento quem me ofende: http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2012N28388

para apoiar a ação, deixei um comentário apressado no ótimo texto do rogério galindo na gazeta do povo — que, para seguir a proposta, não devo compartilhar. como no meio disso chegou muita coisa pra eu revisar, acabei cometendo um erro de concordância. a relação entre revisão e amor pela língua costuma ser bastante torta. a urgência de deixar o cérebro em casa pra poder realizar uma operação lógica também é.

PS: leiam esse texto também.

e mais uma denúncia no blogue da lola.

crave (ânsia), uma escrita teatralizante, sua tradução

Nesta segunda-feira, dia 20, às 18 horas na sala 1020 do edifício D. Pedro I da Reitoria da UFPR, vai ocorrer a banca da minha dissertação Crave [Ânsia], uma escrita teatralizante, sua tradução, conclusão do mestrado em Letras (literatura e outras linguagens) sob orientação de Caetano Galindo. Em seguida, a Inominável companhia de teatro vai fazer uma leitura da peça, sob direção de Lilyan Souza, com Fabiane de Cezaro, Jossane Ferraz, Letícia Guazzelli e Marcelo Bourscheid.
Na banca estão Célia Arns de Miranda e Stephan Baumgärtel.

 

resumo:

Busco compreender alguns dos contextos estéticos com que a peça “Crave” (Ânsia) de Sarah Kane dialoga – teatro pós-dramático, arte performance, ritual, atos performativos de fala, intertextualidade. A partir dessas convenções, e atenta à influência de Beckett, T.S. Eliot, Strindberg e Artaud em sua trajetória, proponho uma nova tradução do texto dramático, observando seus aspectos rítmicos e líricos.

dinas: um olhar pedagógico não para dinossauros nem ricardinas

Produzi este texto durante o Galpão convida: intercâmbio, em setembro de 2011, em Belo Horizonte, com a apropriação de palavras e ideias do grupo mineiro Primeira Campainha e a organização do discurso da Chata. O intercâmbio foi entre elas e o grupo de investigação cênica Heliogábalus, de Curitiba.

Dinas1: um olhar pedagógico não para dinossauros nem ricardinas

Vivarina! não no sentido de verbete não encontrado, mas no sentido de meias. Meias, não no sentido de algo pela metade, não, mas de rasgável: sob a advertência de que se não é melhor a cada dia, melhor que se acabe. Acabar, não no sentido de procurando cabelo em ovo, e sim, antes, sentido de no frigir dos ovos. Ovos, não no sentido daquele que desperdiça um pintinho, mas no sentido daquele que não se gasta (como dois pares de pilhas AA) com candidato ruim. Ruim, no sentido oposto ao dos bons riffs. Lamentavelmente, bons riffs são um conceito difícil de precisar; nota-se ouvindo o som que vem do quarto do meu filho, que é grunge. Mas não grunge no sentido de Lady Gaga2, nem mesmo ga ga no sentido de radio3, mas no sentido de um ovo de porco. Não porco no sentido de teatro porco, porque é muito exigente o despudor estético, nem pobre4 no sentido de teatro pobre, tampouco no sentido de que nosso cenário tenha apenas uma cadeira alimentar, mas no sentido de, bem, compreendam, é bastante improvável que um porco bote um ovo5, bem como nem toda feminista é baiana. Não baiana no sentido de Caetano Veloso, mas no sentido de straight edge. No sentido de tomar chá, mas não chá de cogumelo, e sim coca-cola. Não coca-cola daquela que você fabrica em casa, porque, bem sabemos, você pode até plantar sua maconha e soltar galinhas que não voam, mas coca-cola você não fabrica. Muito embora o rótulo vermelho suma diante do figurino imperioso da rainha virgem, não rainha no sentido de Madonna, pelo menos não exclusivamente, mas no sentido de Elizabeth. Devemos dizer, mas não no sentido de cumprir um dever cívico, que é uma subversão6 para o século XX que aquilo que se espera, afinal, chegue. Não chegar no sentido de bastar, até mesmo porque é difícil afirmar assim tão prontamente se estamos ou não no século XX. Nos educaram via Marlene Mattos, e agora? Esperem ou não, produziremos7 um “estrondo de não sei o quê”8.

Chorar escorrendo da parede.

E eu só me pergunto duas coisas: cómo puedes quererme de espuma e se não será Pollyanna demasiado apaziguadora para ser dialética.

1 Não nos referimos aqui a Dina, o nome próprio feminino, ou seja, atribuído às pessoas socialmente construídas como mulheres, mas DINAS – Damas Indignas nas Alterosas. Quando falamos no plural, não se trata de dizer que Dina e Sabrina sejamos duas pessoas diferentes; trata-se, antes, de assumir a coletividade da autoria do presente texto, feito de recortes dos manifestos, que já são, por sinal (não sinal no sentido de campainha), bastante recortados (não roubados de um autor só, e nem como se realmente alguém tivesse entrado na casa deles e arrombado suas gavetas de escritos, nada disso), da Primeira Campainha, não campainha no sentido do som produzido por esse dispositivo, mas campainha no sentido de interruptor.
2 A sílaba tônica é o primeiro ga.
3 Não confundir com o verbo radiar, “eu radio”, mas o substantivo rádio, cuja grafia é a mesma em inglês e português, salvo o acento, em português, na tônica (em “rá”).
4 Nossa renda vem de um trabalho (ele sim alternativo) como garçonete ou produtora.
5 O que diriam Freud, Lacan e o homem do chapéu.
6 Mas não no sentido de comunismo.
7 Não no sentido de produzir por conta própria, mas também nesse sentido, ainda que tudo o que produzimos seja o mundo atravessado por nós, em dois sentidos, e vice-versa.
8 Vou anotar isso e trago uma explicação mais precisa na próxima semana.

coisas que estou fazendo

http://elebateasasas.wordpress.com/

A chula, uma dança percussiva rígida, uma dança viril, competitiva e espetacular, o pau ao redor do qual se sapateia e o pênis constituindo o aspecto mais notável da masculinidade são os eixos da pesquisa corporal de Ele bate as asas. A performance parte das normas restritivas da masculinidade e das tradições gaúchas em busca de uma experiência de resistência pessoal que também é política.
Esta experiência participa do projeto 20minutos.mov, realizado por  Expressão Produção / Couve-flor / MinC / Funarte.

http://fedordoanimal.wordpress.com/

Pesquisa performática em parceria com Mariana Zimmermann, vai ser também uma oficina na encontrAda – corpo, feminismo e tecnologia: livre!

As dicotomias que estruturam a humilhação feminina estão estreitamente ligadas à divisão entre carne e espírito (Beauvoir). Daí a assepsia ser tão horrendamente misógina, e vice-versa. Dicotomia que também embasa o especismo. A mulher é inferiorizada ao ser associada ao irracional; animais de outras espécies, ao domínio da natureza, como aquele que deve ser subordinado à cultura. O nojo é usado para subjugar mulheres e animais não humanxs.

 

Martina. Foto de Mariana Zimmermann
Martina. Foto de Mariana Zimmermann

Genitálias não são o centro de nossa sexualidade, mas carregam, como signo, o peso do sexo e da sexualidade, do prazer e da sujidade.

As relações com a sujeira passam, porém, por todo o nosso corpo. Por toda a nossa cultura. E são ambos um só. Martina lambe a própria vagina num ato de higiene cíclica (SÉPSIS). Ela come a sujeira. Ela limpa e cura com a baba. Queremos comer nossa imundície.

A assepsia é um mecanismo de exclusão, poder e controle. Vivemos um momento renovado de eugenismo, higienismo, destruição de cortiços. O Dândi levava um lenço perfumado às narinas e costumava desmaiar, o conhecedor do Camp aspira o mau cheiro e se orgulha de ter os nervos fortes (Sontag).

Uma inquietação parte da tentativa de ressignificar ou dessignificar o corpo, tão maçantemente interpretado como imagem sexualizada. Precisamos de nossa inocência e ao mesmo tempo nos livrar dos nojos adquiridos. Cachorras nuas jamais se preocuparam.

Na performance incluímos textos e nossos corpos, pesquisamos materiais de limpeza, a pureza do esterco de vaca (classificado como puro em várias culturas em que ablução é religião) e procedimentos de limpeza que deformam o corpo – usando artifícios, que se derreterão como a sujeira se dilui. Comunidades de vida, não vivemos separadas das bactérias, mas em simbiose; sem elas, morremos.

simone de beauvoir em o segundo sexo (vol. 2):

O fato de ser um ser humano é infinitamente mais importante do que todas as singularidades que distinguem os seres humanos. A “virtude”, como diziam os antigos, define-se ao nível do “que depende de nós”. Em ambos os sexos representa-se o mesmo drama da carne e do espírito, da finalidade e da transcendência; ambos são corroídos pelo tempo, vigiados pela morte, têm uma mesma necessidade essencial do outro; podem tirar de sua liberdade a mesma glória; se soubessem apreciá-la não seriam mais tentados a disputar-se privilégios falazes; e a fraternidade poderiam então nascer entre ambos. (…)

Em todo caso, objetarão alguns, se tal mundo é possível, não é desejável. Quando a mulher for “igual” ao homem, a vida perderá seu “sal pungente”. Este argumento não é tampouco novo: os que têm interesse em perpetuar o presente vertem sempre lágrimas sobre o mirífico passado que vai desaparecer sem conceder um sorriso ao jovem futuro. É verdade que, suprimindo os mercados de escravos, acabaram com as grandes plantações tão magnificamente ornadas de azaléas e camélias, arruinaram toda a civilização sulista [dos Estados Unidos]; as velhas rendas juntaram-se, no sótão, aos timbres tão puros dos castrados da Cistina e há um certo “encanto” feminino que ameaça, ele também, desfazer-se em pó. Convenho em que é ser um bárbaro não apreciar as flores raras, as rendas, a voz cristalina do eunuco e o encanto feminino. Quando se exibe, em todo o seu esplendor, a “mulher encantadora” é um objeto bem mais exaltante do que “as pinturas idiotas, ornatos de portas, cenários, telas de saltimbacos, tabuletas, iluminuras populares” que embeveciam Rimbaud; enfeitada com os mais modernos artifícios, trabalhada segundo as mais novas técnicas, ela chega do fundo dos séculos, de Tebas, de Minos, de Chichen Itza; e é também o totem plantado no coração do sertão africano; é um helicóptero e é um pássaro, e eis a maior maravilha: sob seus cabelos pintados o sussurro das folhagens faz-se pensamento e palavras escapam-lhe dos seios. Os homens estendem as mãos ávidas para o prodígio; mas logo que o pegam ele se dissipa; a esposa, a amante valem exatamente o que valem; seus seios também. Um milagre tão fugidio – e tão raro – merecerá que perpetuem uma situação nefasta para ambos os sexos? Pode-se apreciar a beleza das flores, o encanto das mulheres e apreciá-los pelo seu justo valor; se tais tesouros se pagam com sangue ou desgraça, cumpre saber sacrificá-los.

O fato é que esse sacrifício parece singularmente pesado para a maioria dos homens. Pondo-se a existir para si, a mulher abdicará a função de duplo e de mediadora que lhe outorga seu lugar privilegiado no universo masculino; para o homem solicitado pelo silêncio da natureza e a presença exigente de outras liberdades, um ser que seja a um tempo seu semelhante e uma coisa passiva apresenta-se como um grande tesouro.

Entre outras coisas, nada me parece mais contestável do que o slogan que vota o mundo novo à uniformidade, logo ao tédio. Não vejo ausência de tédio neste mundo, nem nunca vi que a liberdade criasse uniformidade. É quando for abolida a escravidão de uma metade da humanidade e todo o sistema de hipocrisia que implica, que o casal humano encontrará sua forma verdadeira.

por socorro

a verdade é que não tenho tido tempo bastante para fuçar no wordpress. quando importei minhas coisas, veio a lista de blogs sem feed. tentei mudar em widgets e ferramentas e não consegui. também não consegui tirar a lista de marcadores, que não uso mais há anos.

de repente alguém já passou por isso por aqui?

um dia eu volto, quem sabe. =)